Nota à imprensa de 11/10/2010

Quando a culpa não é só de quem aperta o gatilho

Os fatos ocorridos na véspera das eleições onde um juiz do trabalho e sua família foram baleados por policiais não causou nenhum espanto aos policiais civis do estado do Rio de Janeiro, era uma tragédia anunciada. A falta de preparo somada às precárias condições de trabalho e os baixos salários são ingredientes explosivos que somados resultam em tragédias recorrentes no cotidiano carioca.
Apesar de estarmos no estado onde habitam os criminosos mais perigosos e violentos do país, temos uma das polícias mais mal pagas do Brasil. Com isso, os policiais são obrigados a ter um segundo emprego para resgatar a dignidade que o estado não lhes proporciona. Essa dupla jornada de trabalho faz com que os policiais, principalmente os civis que trabalham com investigação, não consigam desempenhar bem as suas funções, além de trabalharem sobre forte estresse. Estresse pela função, estresse pelo baixo salário, estresse pela alta carga de trabalho. O Estado do Rio de Janeiro não respeita os direitos dos trabalhadores policiais, férias são negadas, gratificações são cortadas arbitrariamente e a carga horária de trabalho não é respeitada. Por isso, nos deparamos frequentemente com notícias onde policiais agem violentamente muitas vezes por medo, muitas vezes por descontrole emocional.
A Polícia Civil tem atribuição legal de investigar, de colher informações para que o Ministério Público possa denunciar aqueles que cometem crime. Desta forma a Academia de Polícia Sylvio Terra (Acadepol) concentra seus ensinamentos para que o policial possa desenvolver a investigação da melhor maneira possível. O policial civil não é treinado para efetuar rondas ou blitz. Essas ações devem ser efetuadas pela PM que tem atribuição legal e treinamento específico para tal atividade.
No entanto, o policial civil tem sido constantemente utilizado fora de suas funções em rondas e blitz, enquanto as investigações ficam paradas nas delegacias. Diariamente, policiais que deveriam estar investigando crimes são deslocados para a Operação Abutre, que tem como objetivo efetuar rondas e blitz noturnas com o intuito de coibir roubos de automóveis. Além disso, um vez por semana, policiais civis deixam suas investigações paradas enquanto realizam a Operação Duas Rodas que tem como objetivo multar e rebocar motos, o que não é atribuição da Polícia Civil, por isso essa blitz sempre conta com um guarda municipal de trânsito.
Na semana anterior às eleições, por ordem do Governo do Estado, foram quatro dias consecutivos de Operação Duas Rodas das 13 às 17 hs, sendo que no sábado também foi realizada uma blitz de 17 até 00 h logo em seguida da blitz da Duas Rodas. E foi nessa última blitz que policiais civis, já saturados, atiraram em um carro tripulado por uma família que se dirigia para uma festa.
Para nós que somos policias civis trabalhamos e conhecemos o dia a dia dos trabalhadores da segurança pública é fácil entender os motivos pelos quais uma família foi fuzilada numa blitz da polícia civil. Na verdade qualquer um que tenha conhecimento de que policiais armados, mal pagos e estressados foram colocados para realizar funções as quais não foram treinados, sabe o perigo que isso representa.
Porém, parece que a proximidade das eleições fez com que as autoridades do Governo do Estado do Rio de Janeiro enxergassem nas luzes azuis dos giroscópios muitos votos, só que na verdade essas luzes cegaram aqueles que têm o dever e o poder de zelar pela segurança de policiais e da sociedade civil.
Carlos Gadelha
Presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Estado do Rio de Janeiro – SINDPOL